sábado, 10 de janeiro de 2009

Sociedade - 2009: a oportunidade de educar

Em todo o planeta, milhões de crianças condenadas à pobreza vêem seu horizonte limitado pela incapacidade e desinteresse dos governantes. Relatório da UNESCO aponta as profundas e persistentes desigualdades no campo da educação. Um novo ano abre espaços para redobrado esforço de transformação social.

Mundos desiguais

No dia 25 de novembro de 2008, durante a Conferência Internacional de Educação, em Genebra, Suíça, foi divulgado o Relatório mundial de educação para todos 2009, denunciando o efeito conjugado da indiferença política, das políticas nacionais ineficientes e das promessas jamais cumpridas. Nas palavras de Koichito Matsuura, Diretor geral da UNESCO, “quando os sistemas financeiros desmoronam, as conseqüências são evidentes e os governos agem; quando os sistemas educacionais fracassam, as conseqüências são menos visíveis, mas igualmente reais. A desigualdade de oportunidades na educação alimenta a pobreza, a fome e a mortalidade infantil, reduzindo as perspectivas de crescimento econômico. Por isso, os governos devem agir com o máximo sentimento de urgência.”

O texto recorda o amplo fosso que separa as nações ricas das nações pobres em relação às chances de instrução. São cifras que dispensam comentários:

- Nos países em desenvolvimento, 1/3 das crianças em idade escolar [193 milhões de crianças] sofre de lesões cerebrais e de reduzidas perspectivas de educação em conseqüência da desnutrição. Ao Sul da Ásia, esse número supera os 40%, pois o crescimento econômico não chegou às camadas mais pobres.

- 75 milhões dessas mesmas crianças não são escolarizadas. Mais de 1/3 delas vive na África sub-saariana. Ali, apenas 5% dos estudantes chegam ao nível universitário.

- No Peru e nas Filipinas, as crianças que pertencem à faixa dos 20% mais pobres são contempladas com 5 anos de escola a menos que os filhos das famílias mais ricas.

Na prática, as desigualdades não se reduzem ao econômico. Vários outros handicaps selecionam previamente aquelas crianças que terão as melhores oportunidades: sexo (com vantagem para os homens), língua, pertença étnica e meio (com desvantagem para a população rural).

Horizontes perdidos

Muitas das metas que foram estabelecidas para o ano 2015 não serão atingidas. Elas tinham seu foco na proteção da primeira infância, na universalização do ensino primário, na igualdade entre os sexos, na alfabetização e na qualidade da educação. O Relatório registra que milhões de crianças abandonam a escola sem concluir o ciclo primário. 776 milhões de analfabetos – 16% da população mundial - não foram beneficiados pelas medidas governamentais.

Quase sempre, é a má qualidade do ensino que leva os alunos a deixarem a escola sem ter adquirido um mínimo de competência em leitura e cálculo. Entre os países mais atrasados no nível secundário, encontram-se Brasil, Indonésia e Tunísia. Só com maciços investimentos esta situação pode ser transformada, diz o Relatório. Só a África ao sul do Saara exigiria nada menos que 3,8 milhões de professores!

No Brasil, das nove submetas educacionais fixadas para 2007, apenas quatro foram atingidas. Mais de 85% dos estudantes terminaram o ano sem adquirir os conteúdos de Matemática propostos. No ensino médio, menos de 50% dos estudantes conseguem formar-se até os 19 anos de idade. Na Região Norte, apenas 3,1% dos alunos do 3º ano do ensino médio atingiram as metas desejadas.

Esperanças latinas

Segundo a UNESCO, um exemplo promissor vem da América Latina. Vários países da região introduziram programas de bolsas dirigidas para famílias carentes, sob a condição de freqüência à escola e acompanhamento sanitário. O programa “Oportunidades” [ver www.oportunidades.gob.mx], um dos mais ambiciosos, aplicado no México, já está sendo transplantado experimentalmente para Nova Iorque.

Graças a ele, cinco milhões de mulheres pobres recebem melhor assistência médica e detectam precocemente suas enfermidades. Na área rural, a participação de crianças no trabalho agrícola foi reduzida em 53%, proporcionando tempo para a freqüência escolar. Os bons resultados despertaram a atenção de Fernando Lugo Méndez, o novo presidente do Paraguai, que em sua recente visita ao México quis conhecer de perto o Programa.

Educação em tempos de crise

A crise financeira iniciada em 2008 pode agravar a situação, pois os compromissos internacionais em relação à educação já não vinham sendo respeitados. O Relatório da UNESCO fala em “fracasso coletivo” da comunidade de doadores. Avalia-se em no mínimo 7 bilhões de dólares/ano o déficit de investimentos necessários à educação de base até 2015. As doações ficaram estagnadas em 2004, e a promessa feita em 2005 – uma ajuda de 50 bilhões de dólares – revela-se insuficiente diante da realidade atual.

Entretanto, a sociedade não pode ficar apenas na dependência de decisões governamentais. Faz tempo que as famílias abdicaram da educação de seus filhos como tarefa prioritária e transferiram as responsabilidades para setores do governo. Na visão de Jaime Pinsky, historiador da UNICAMP, “educar não é natural, é histórico. Um animal é treinado, desde seus primeiros dias de vida, a caminhar, escavar, fugir ou caçar, para sobreviver. Os pais de um ser humano freqüentemente não têm a competência para habilitá-lo no exercício de sobrevivência: eles mesmos não sabem plantar, colher, coletar, construir abrigos ou costurar roupas. Acabam terceirizando o processo de ensino, entregando seus filhotes em idade cada vez menor a escolas, creches ou outras instituições educacionais”.

De qualquer modo, o novo ano abre-se como um novo horizonte para a sociedade agir junto a crianças e jovens a partir de seus valores, crenças e padrões de comportamento. E o que está em jogo é nada menos que o futuro da humanidade.

Fonte: O Lutador/Catolicanet

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